por Valtier de Barros Veloso
Ação de Investigação Judicial Eleitoral: se o candidato desistir da candidatura ou não tiver seu registro deferido, a ação prossegue na íntegra? E se a AIJE for julgada após as eleições e o candidato não vencer, o que ocorrerá? Cabe AIME? Caberá RCD? Haverá alguma conseqüência?
Este trabalho pretende demonstrar algumas características da Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE, para ao final responder às indagações propostas.
A AIJE é ação própria para apuração das transgressões pertinentes a origem de valores pecuniários, abuso do poder econômico ou político, em detrimento da liberdade de voto (art. 19 da LC 64/90), cominando, em caso de procedência, na inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato para as eleições a se realizarem nos 03 (três) anos subseqüentes à eleição em que se verificou, na cassação do registro do candidato diretamente beneficiado e na remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral - MPE, para eventuais providências (art. 22, inc. XIV, LC 64/90).
À luz da natureza jurídica do instituto (ação) e de suas conseqüências previstas em lei (cassação do registro e inelegibilidade), podemos analisar qual a conseqüência advinda da renúncia ou do indeferimento do registro do investigado.
Em primeiro lugar, é mister ressaltar que as normas eleitorais protegem precipuamente a lisura do pleito. Assim é que o Direito Eleitoral se municia de mecanismos para coibir a prática de condutas que possam violar a legitimidade das eleições, normas estas que não são dirigidas aos eleitores, aos partidos, nem aos candidatos, mas à todos. É certo que algumas ações, por sua própria natureza, só podem atingir candidatos, tal como ocorre com a AIRC, a AIME ou o Recurso Contra a Expedição de Diploma.
A AIJE, porém, embora pressuponha um candidato beneficiado, é instrumento voltado também aos partidos políticos e às pessoas que contribuam para a prática coibida (Art. 22, caput e inc. XIV, LC 64/90), justamente no intuito de proteger a lisura do pleito e punir qualquer um que atentar contra tal bem. Nesse sentido o voto do juiz Paulo César Salomão do TRE/RJ :
"O legislador, na verdade, quer punir aqueles que praticaram o abuso do poder econômico, político ou de autoridade e quem se beneficiou dele, sendo totalmente irrelevante se este abuso determinou ou não a vitória no pleito."
Nesse passo, o fato do candidato ter renunciado ou não ter seu registro deferido não é fato suficiente para obstar o prosseguimento da AIJE, que continuará na apuração das eventuais transgressões ocorridas, podendo, ao fim, punir aqueles que a tenham realizado contra à legitimidade do processo eleitoral. Não há que se falar, portanto, em perda de objeto ou ilegitimidade superveniente.
Por outro lado, embora a AIJE prossiga, é certo que dela não poderão mais decorrer os efeitos inicialmente previstos, tendo em vista a inocuidade da cassação de um registro de quem não é mais candidato ou ao menos pré-candidato, restando, porém, a cominação de inelegibilidade , nos termos do art. 1º, inc. I, alínea d, da LC 64/90, e o envio dos autos para o Ministério Público Eleitoral para instauração de processo-disciplinar, se for o caso, e processo-crime.
Hipótese diversa é aquela pertinente à segunda indagação, pela qual o candidato continuou concorrendo e, após as eleições, não logrou a vitória, vindo a AIJE a ser julgada somente após a eleição.
Neste caso, a cassação do registro além de ser medida sem efeito prático útil, imprestável como sanção ao candidato que, malogrado o abuso de poder, foi derrotado nas urnas, poderia gerar uma conseqüência não querida: o de anular as eleição, punindo aquele que legitimamente venceu-as.
Prossegue-se, contudo, com a AIJE contra o candidato derrotado diante da possibilidade de declaração de inelegibilidade. Possibilidade por dois motivos: a ação pode ser improcedente ou ser julgada procedente após o prazo de 03 (três) anos previstos como sanção de inelegibilidade contados da eleição que se verificou a conduta , caso em que a decisão não terá exeqüibilidade.
Assim, "na ação de investigação judicial eleitoral julgada procedente após as eleições, aplica-se a sanção de inelegibilidade e a remessa de cópia do processo da representação ao Ministério Público" .
Existem alguns julgados do c. TSE que afirmam permanecer o interesse na causa, mesmo quando não possível a aplicação da sanção de inelegibilidade e nem mesmo a cassação do registro, porque haveria ainda, na AIJE fundada no art. 41-A, a possibilidade de aplicação de pena de multa .
Com a devida vênia, não parece ser o melhor entendimento uma vez que o art. 41-A, embora siga o rito do art. 22, da LC 64/90, não é apurado por AIJE e sim por Representação Eleitoral , até sendo possível a investigação fundada no art. 41-A, mas não para apreciar a captação de sufrágio em si, o próprio art. 41-A, mas sim para verificar a ocorrência de abuso do poder econômico, sendo incabível, nesta hipótese a aplicação da pena de multa.
Quanto à previsão do art. 22, inc. XV, da LC 64/90, que determina o envio de cópias do processo ao MPE para ajuizamento de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo - AIME e Recurso Contra a Expedição de Diploma - RCED, não poderá ser aplicada na hipótese levantada uma vez que ela cuida de procedência após a eleição do candidato. Por eleição do candidato deve ser entendido: candidato eleito.
E com razão. O candidato derrotado não será diplomado, nem será investido em nenhum mandato eletivo, daí porque não há como comportar um recurso contra a expedição de diploma (que não ocorrerá) ou uma ação de impugnação ao mandato eletivo (o qual não existe).
Esse entendimento, porém, só se aplica à eleição majoritária, uma vez que nas eleições proporcionais o candidato derrotado é "eleito" e diplomado como suplente, comportando não só o recurso contra a expedição de diploma como também a ação de impugnação de mandato eletivo .
Outra utilidade na continuidade da AIJE contra candidato derrotado é a possibilidade de utilização da mesma como subsídio para o Ministério Público Eleitoral ingressar com ação penal e, se for o caso, processo disciplinar. Mesmo tratando-se de esferas distintas, uma cível, outra penal, outra administrativa, a prova lá produzida pode ser aqui utilizada.
Assim, diante de todo o exposto e, principalmente, considerando as conseqüências previstas para o caso de procedência da AIJE, tem-se que ela deve prosseguir mesmo que o candidato representado renuncie, tenha seu registro indeferido ou venha a ser derrotado nas eleições, observando-se, contudo, as restrições que tais condições impõem.
Valtier de Barros Veloso.
Chefe de Cartório da 8ª Zona Eleitoral de São José dos Pinhais - PR
Especializando em Direito Eleitoral pela Unisul - Rede LFG.
Ex-Chefe da Seção de Jurisprudência do TRE-SP
Fonte: Paraná Eleitoral